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Não basta estar certo sobre o clima

Li um pequeno artigo interessante essa semana publicado no GAIA e quis trazê-lo aqui bem em resumo. Ele toca numa questão bem central não só da pesquisa ao redor da mudança climática, mas da ansiedade que muita gente envolvida com a questão sente. O título já entrega: It’s not enough to be right! The climate crisis, power, and the climate movement.1

Que as demandas de ativistas pelo clima têm base na ciência já não é mais novidade. Eles estão factualmente certos em exigir medidas de descarbonização para manter a temperatura global em um cenário de 1,5ºC. Mas, por que então é tão difícil levar a mudanças de comportamento, políticas públicas, infraestrutura e dinâmicas sociais?

O grupo de autores, ligados a Universidade de Hamburgo, lista cinco obstáculos e proposições para movimentos climáticos ao redor do mundo baseadas na literatura das ciências sociais sobre o clima, quase como uma extensão de um artigo também interessante (Hagedorn et al. 2019)2.

As três primeiras dizem respeito a questões de políticas públicas, enquanto as duas últimas dizem mais respeito a comportamentos individuais.

O problema não é científico, mas político

Não tem um único jeito de alcançar as metas, e o debate sobre qual jeito seguir é negociação política. Focar só nas metas enormes a longo prazo vai levar a conflito. É necessário colocar pressão social pela agenda de curto prazo.

Esse é só um problema entre outros

Racismo, pobreza, soberania alimentar são todas questões urgentes pra agora. Dizer que o clima é mais importante do que elas vai levar a conflito. É necessário ligar a questão climática a todas as outras e deixar claras as relações.

A era dos combustíveis fósseis é fundada em política e economia

O poder é correlacionado com a obtenção e controle de combustíveis fósseis e isso rege nosso sistema político global. Soluções individuais não são suficientes. É necessário desenvolver estratégias para redirecionar o centro de poder para fora dos combustíveis fósseis.

Só o conhecimento não proporciona mudanças de comportamento

Se fosse só saber a coisa certa a se fazer, vários outros problemas já estariam resolvidos. A ação individual é situada dentro de frameworks sociais, institucionais e de infraestrutura que fazem com que maus comportamentos se mantenham a norma. É necessário readequar as instituições e normas sociais ao redor do clima.

A transformação só vem com a participação ativa de diversos grupos

Mudanças radicais precisam de apoio popular e de diálogo com comunidades. A questão climática não vai virar uma prioridade de todos os grupos sociais da noite pro dia. E, mesmo no seio de movimentos interessante por novas políticas públicas, há desigualdades sociais e econômicas sendo reproduzidas. É necessário envolver a sociedade ligando as pautas específicas à crise climática.

A conclusão da coisa toda é que slogans a essa altura batidos como “listen to the science” podem ter sido úteis em um momento anterior pra conferir legitimidade ao consenso científico, mas esse barco já zarpou. A questão agora é se engajar com as dinâmicas políticas, sociais e culturais ao redor da crise climática.

Como bom problema capcioso, não há uma única solução para essa questão, e se concentrar em medidas perfeitas é improdutivo. A hora é de crise. O objetivo é “alargar os horizontes de imaginação da sociedade para que eles se conectem a várias visões de futuro de diferentes setores da sociedade”. Sem atuação e transformação política, nada se realiza.


  1. POHLMANN, Angela; WALZ, Kerstin; ENGELS, Anita; et al. It’s not enough to be right! The climate crisis, power, and the climate movement. GAIA  - Ecological Perspectives for Science and Society, v. 30, n. 4, p. 231–236, 2021.↩︎

  2. HAGEDORN, Gregor; LOEW, Thomas; SENEVIRATNE, Sonia I.; et al. The concerns of the young protesters are justified: A statement by Scientists for Future concerning the protests for more climate protection. GAIA  - Ecological Perspectives for Science and Society, v. 28, n. 2, p. 79–87, 2019.↩︎

Publicado em 28/3/2022




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